segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Tive alguns dias de férias e carnaval. Período em que não postei mas que vi muitos filmes, li bastante. Procurarei atualizar agora com essas novas impressões.
Ontem vi Os Infiltrados, que à noite ganharia a premiação do Oscar. Mas não é o Oscar que importa, mas o filme, que vinha tentando ver há horas, sem nunca me acertar com os horários quase-impeditivos, como se filmes interessantes não merecessem ser vistos.
Os Infiltrados conta a história centrada em dois policiais "infiltrados" que no decorrer da trama passam a a ser o alvo principal, um do outro. Um, interpretado por Matt Damon, é um membro do crime organizado que vira policial para informar seu chefe (o personagem de Jack Nicholson) sobre as ações da policia. O outro (Di Caprio) é um policial que a policia planta na quadrilha do chefão irlandes para tentar desmontar seu esquema.
Além de ser um grande filme, como tal, porque é bem dirigido, porque tem um elenco excelente, bom roteiro, tudo "certinho", Os Infiltrados, para além disso, nos mostra um mundo que não é confortável de ser visto, mas necessário: mostra o quanto não há limites claros entre o bem e o mal, entre o crime e a policia, entre o cidadão de bem (figura tão invocada pelos conservadores de plantão) e o criminoso. E o quanto qualquer debate sobre violência, crime e outras coisas precisa ser pensado a partir disso. O quanto é bem mais complexa a vida do que se lê nos jornais e nas sessões de cartas desses.
Como cinéfilo, em particular, saí fascinado ontem do cinema: trata-se de mais um grande filme de Scorcese, que ao longo das últimas três décadas fez alguns dos filmes mais marcantes que vi, como Touro Indomável, Taxi Driver, O Aviador, Gangues de nova iorque, dentre outros.
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Da segurança pública à privada
O Governo Yeda Crusius tem se caracterizado por esconder intenções privatistas por trás da cortina de fumaça que produziu, desde a transição, em razão da crise das finanças do Estado. Em razão disso, a governadora quer desmontar o Estado gaúcho, tanto através do aprofundamento do arrocho salarial contra os servidores de carreira quanto através da terceirização e privatização de serviços em relação a qual a própria Constituição Federal obriga o Estado.
Assim, percebemos movimentos ensaiados para desgastar órgãos públicos e empresas estatais visando a sua privatização ou extinção. O principal alvo é o Banrisul.
Em entrevista recente à TVE, o secretário Fernando Schüller, um dos principais pensadores do projeto de Yeda, afirmou a necessidade de se repensar o papel do Estado na promoção de políticas sociais. Na opinião dele, o Estado deve intervir apenas nos setores onde não for possível buscar ajuda do ?terceiro setor? e da ?responsabilidade social? do empresariado, dada a perda da capacidade dos governos de manter políticas sociais.
Nesse sentido também pode ser observada a movimentação da Secretaria de Segurança Pública, quando propõe a regulamentação da ajuda privada para o pagamento de horas extras de policiais, como forma de garantir a segurança ?pública? no RS.
Nos últimos anos, se tornou corriqueira a realização de ?turno extra? de policiais que, com parca remuneração do cargo que ocupam, buscam ?bicos? para melhorar sua situação. Assim, podemos observar civis e brigadianos atuando como guardas de ruas ou empresas, em turno contrário ao de trabalho para o Estado. Tal situação, resultado dos baixos salários, obviamente vem em prejuízo à saúde do trabalhador e ao interesse público, dado que a situação de estresse a que esse policial é jogado irá, no médio prazo, prejudicar sua atuação em sua função policial.
e tornou também comum, especialmente em cidades médias do interior, uma prática que mereceria cuidado, no mínimo, pelo fato de misturar o interesse público com o de privados: cidadãos ?de bens? e empresas começaram a contribuir com as polícias, fazendo doações de combustível para viaturas e outros tipos de donativos, visando ajudar à manutenção das forças de segurança. Em alguns casos, de forma organizada, até mesmo compondo conselhos, objetivando melhor dirigir essas doações, os chamados Consepro.
O que a nova direção da Segurança Púiblica veio apresentar como panacéia para as dificuldades do Estado na manutenção de sua forca policial foi, curiosamente, a oficialização das duas práticas, tornando-as uma ?política pública?.
A idéia de receber doações de empresas privadas e com essas compor um fundo para o pagamento de horas extras aos policiais é uma proposta que merece repúdio da sociedade gaúcha. No entanto, não parece haver maiores questionamentos acerca da conveniência, correção ética ou legalidade da proposta. A classe média tende a aceitar todo tipo de proposta milagrosa para conter a pequena criminalidade(aquela voltada contra o patrimônio), a imprensa tende a apoiar tudo o que venha coadunado a esse ?espetáculo da segurança? característico da gestão Yeda/Bacci e os policiais ficam relativamente seduzidos pela perspectiva de receberem horas extras de forma segura e oficial.
Pensemos melhor sobre os riscos que ela gera:
1) Se um grupo de empresários fizer doações para a manutenção de horas extras aos policiais, não irá exigir contrapartida: que essas forças policiais atuem na proteção do seu patrimônio? Assim, não estaríamos vendo as forças do Estado protegendo apenas o patrimônio privado, ao invés de atuarem num sentido de segurança pública?
2) No caso dos mantenedores privados cobrarem esse tipo de contrapartida, não estaria o Estado e a Sociedade, de forma geral, abrindo mão do controle público sobre a atividade policial que, se não ocorre a pleno, ao menos é um direito da sociedade, que deve ser buscado, de forma mais efetiva. A proposta pode acarretar, ao contrário, uma formalização da renuncia do controle social sobre a policia, passando-a um conselho de mantenedores.
3) Por mais que muitos setores exijam o funcionamento da máquina da segurança pública exclusivamente para combate aos crimes contra o patrimônio ou a repressão de movimentos sociais, ela tem funções muito maiores. Um pesado financiamento empresarial dessa estrutura policial não acarretaria, de forma definitiva, um foco meramente patrimonial no trabalho das policias?
Assim, corremos o sério risco de ocorrer uma espécie de ?parceria público-privada? em relação ao funcionamento das forças de segurança pública. O Estado entraria com a mão-de-obra formada, com o poder de policia legitimado e a iniciativa privada entraria com o dinheiro e conseqüente controle da sua atuação. Aos poucos, mas de forma clara, a sociedade gaúcha estaria vendo uma das coisas mais caras ao Estado burguês, que é o monopólio do exercício legal da violência, ser entregue a conselhos que terão composição censitária, de acordo com o poder econômico. Seria a transformação de uma polícia que, historicamente, sempre serviu ao interesse dos proprietários em uma polícia com proprietários, de forma cristalina.
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