quinta-feira, março 01, 2007
O Último Rei da Escócia tem sido referido basicamente como a atuação de Forest Whitaker no papel de Idi Amim Dada, mas mereceria maior atenção que isso. Certo dizer que a atuação super-premiada do ator é o central, o que torna o filme impressionante. Mas para além disso, é uma película que aborda um personagem e mais um episódio perturbador da história recente da Africa.
Amim Dada foi presidente de Uganda a partir de um golpe militar, tendo durado a década de 70 toda. Nesse período, foi responsável pela morte de milhares de pessoas. De personalidade forte, o ditador foi "pirando", passando a se sentir perseguido, traído, repetindo a história da humanidade, nesse sentido, já que o que mais conhecemos são sanguinários que, com poder absoluto, enlouquecem matando a tudo e todos, por suspeita.
A história é contada a partir de um médico escocês que vai para Uganda ajudar em missões humanitárias exatamente nos dias em que Amim assume o poder. Algum tempo depois, numa visita à vila em que o médico trabalhava, Amim Dada se encanta pelo médico, levando-o a seguir para ser o médico do palácio, atendendo a ele e suas famílias. A partir daí, o jovem escocês vai se dando conta de que, com a evolução da loucura do ditador, ele não terá saída tranquila para a sua relação com Dada.
Não chega a ser um filme impecável tecnicamente, mas é bem construído. Tenso, com bons atores, bom roteiro. Dos bons filmes da temporada "quente" do cinema.
A língua
Percebi que com a conversão do Blogger, as postagens de texto piraram completamente a escrita, em todas as palavras acentuadas. Isso é muito comum em sítios configurados como se só existisse a língua inglesa no mundo. Pois foda-se! A idéia desses imbecis é que você deve se adaptar a eles e não eles ao mundo. Ou seja: para não embaralhar palavras com acento, use-as sem acento. Eu não! A lingua portuguesa tem acentos e eles são necessários. Ou seja: nas poucas vezes em que pôr texto nessa merda, vai ficar embrulhado, mas a culpa é do provedor. E ponto.
segunda-feira, fevereiro 26, 2007
Tive alguns dias de férias e carnaval. Período em que não postei mas que vi muitos filmes, li bastante. Procurarei atualizar agora com essas novas impressões.
Ontem vi Os Infiltrados, que à noite ganharia a premiação do Oscar. Mas não é o Oscar que importa, mas o filme, que vinha tentando ver há horas, sem nunca me acertar com os horários quase-impeditivos, como se filmes interessantes não merecessem ser vistos.
Os Infiltrados conta a história centrada em dois policiais "infiltrados" que no decorrer da trama passam a a ser o alvo principal, um do outro. Um, interpretado por Matt Damon, é um membro do crime organizado que vira policial para informar seu chefe (o personagem de Jack Nicholson) sobre as ações da policia. O outro (Di Caprio) é um policial que a policia planta na quadrilha do chefão irlandes para tentar desmontar seu esquema.
Além de ser um grande filme, como tal, porque é bem dirigido, porque tem um elenco excelente, bom roteiro, tudo "certinho", Os Infiltrados, para além disso, nos mostra um mundo que não é confortável de ser visto, mas necessário: mostra o quanto não há limites claros entre o bem e o mal, entre o crime e a policia, entre o cidadão de bem (figura tão invocada pelos conservadores de plantão) e o criminoso. E o quanto qualquer debate sobre violência, crime e outras coisas precisa ser pensado a partir disso. O quanto é bem mais complexa a vida do que se lê nos jornais e nas sessões de cartas desses.
Como cinéfilo, em particular, saí fascinado ontem do cinema: trata-se de mais um grande filme de Scorcese, que ao longo das últimas três décadas fez alguns dos filmes mais marcantes que vi, como Touro Indomável, Taxi Driver, O Aviador, Gangues de nova iorque, dentre outros.
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Da segurança pública à privada
O Governo Yeda Crusius tem se caracterizado por esconder intenções privatistas por trás da cortina de fumaça que produziu, desde a transição, em razão da crise das finanças do Estado. Em razão disso, a governadora quer desmontar o Estado gaúcho, tanto através do aprofundamento do arrocho salarial contra os servidores de carreira quanto através da terceirização e privatização de serviços em relação a qual a própria Constituição Federal obriga o Estado.
Assim, percebemos movimentos ensaiados para desgastar órgãos públicos e empresas estatais visando a sua privatização ou extinção. O principal alvo é o Banrisul.
Em entrevista recente à TVE, o secretário Fernando Schüller, um dos principais pensadores do projeto de Yeda, afirmou a necessidade de se repensar o papel do Estado na promoção de políticas sociais. Na opinião dele, o Estado deve intervir apenas nos setores onde não for possível buscar ajuda do ?terceiro setor? e da ?responsabilidade social? do empresariado, dada a perda da capacidade dos governos de manter políticas sociais.
Nesse sentido também pode ser observada a movimentação da Secretaria de Segurança Pública, quando propõe a regulamentação da ajuda privada para o pagamento de horas extras de policiais, como forma de garantir a segurança ?pública? no RS.
Nos últimos anos, se tornou corriqueira a realização de ?turno extra? de policiais que, com parca remuneração do cargo que ocupam, buscam ?bicos? para melhorar sua situação. Assim, podemos observar civis e brigadianos atuando como guardas de ruas ou empresas, em turno contrário ao de trabalho para o Estado. Tal situação, resultado dos baixos salários, obviamente vem em prejuízo à saúde do trabalhador e ao interesse público, dado que a situação de estresse a que esse policial é jogado irá, no médio prazo, prejudicar sua atuação em sua função policial.
e tornou também comum, especialmente em cidades médias do interior, uma prática que mereceria cuidado, no mínimo, pelo fato de misturar o interesse público com o de privados: cidadãos ?de bens? e empresas começaram a contribuir com as polícias, fazendo doações de combustível para viaturas e outros tipos de donativos, visando ajudar à manutenção das forças de segurança. Em alguns casos, de forma organizada, até mesmo compondo conselhos, objetivando melhor dirigir essas doações, os chamados Consepro.
O que a nova direção da Segurança Púiblica veio apresentar como panacéia para as dificuldades do Estado na manutenção de sua forca policial foi, curiosamente, a oficialização das duas práticas, tornando-as uma ?política pública?.
A idéia de receber doações de empresas privadas e com essas compor um fundo para o pagamento de horas extras aos policiais é uma proposta que merece repúdio da sociedade gaúcha. No entanto, não parece haver maiores questionamentos acerca da conveniência, correção ética ou legalidade da proposta. A classe média tende a aceitar todo tipo de proposta milagrosa para conter a pequena criminalidade(aquela voltada contra o patrimônio), a imprensa tende a apoiar tudo o que venha coadunado a esse ?espetáculo da segurança? característico da gestão Yeda/Bacci e os policiais ficam relativamente seduzidos pela perspectiva de receberem horas extras de forma segura e oficial.
Pensemos melhor sobre os riscos que ela gera:
1) Se um grupo de empresários fizer doações para a manutenção de horas extras aos policiais, não irá exigir contrapartida: que essas forças policiais atuem na proteção do seu patrimônio? Assim, não estaríamos vendo as forças do Estado protegendo apenas o patrimônio privado, ao invés de atuarem num sentido de segurança pública?
2) No caso dos mantenedores privados cobrarem esse tipo de contrapartida, não estaria o Estado e a Sociedade, de forma geral, abrindo mão do controle público sobre a atividade policial que, se não ocorre a pleno, ao menos é um direito da sociedade, que deve ser buscado, de forma mais efetiva. A proposta pode acarretar, ao contrário, uma formalização da renuncia do controle social sobre a policia, passando-a um conselho de mantenedores.
3) Por mais que muitos setores exijam o funcionamento da máquina da segurança pública exclusivamente para combate aos crimes contra o patrimônio ou a repressão de movimentos sociais, ela tem funções muito maiores. Um pesado financiamento empresarial dessa estrutura policial não acarretaria, de forma definitiva, um foco meramente patrimonial no trabalho das policias?
Assim, corremos o sério risco de ocorrer uma espécie de ?parceria público-privada? em relação ao funcionamento das forças de segurança pública. O Estado entraria com a mão-de-obra formada, com o poder de policia legitimado e a iniciativa privada entraria com o dinheiro e conseqüente controle da sua atuação. Aos poucos, mas de forma clara, a sociedade gaúcha estaria vendo uma das coisas mais caras ao Estado burguês, que é o monopólio do exercício legal da violência, ser entregue a conselhos que terão composição censitária, de acordo com o poder econômico. Seria a transformação de uma polícia que, historicamente, sempre serviu ao interesse dos proprietários em uma polícia com proprietários, de forma cristalina.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
Violência II ? Ou sobre Abusado
O repórter da Globo, Caco Barcellos, já havia escrito um livro interessante sobre a questão da violência chamado Rota 66 ? a história da polícia que mata, em que falava sobre a rotina de execuções de jovens pobres pela Rota, parcela de repressão dura da PM de São Paulo.
Em 2003 Caco lançou Abusado, contando, a partir de uma biografia do traficante Marcinho VP, um pouco da história da evolução do controle do tráfico de drogas sobre o Rio de Janeiro, especialmente na década de 90, mas com muitos elementos de como o processo de formou, nas décadas de 70 e 80.
Marcinho VP ? no livro tratado como Juliano ? foi o traficante dono do morro Dona Marta durante vários anos. Sujeito com grande capacidade de liderança e, para além disso, com boa articulação para além do seu cotidiano, acabou se tornando uma celebridade, característica que contribuiu imensamente para a feitura do livro ? que segundo Barcelos surgiu muito da insistência do próprio Marcinho ? e, logo após esse lançamento, para sua morte no interior de uma cadeia, em boa parte em razão das revelações que o livro fazia. Marcinho se diferenciava no cenário da criminalidade carioca como sujeito que lia, que pregava que o tráfico deveria constituir um movimento com maior relação social. Tinha simpatia por movimentos de insurgência, como os zapatistas.
O livro não é, como acusam alguns críticos, uma apologia ao crime ou romantização da vida do personagem. Mostra sua complexidade, expressa o fato de que qualquer pessoa é contraditória. Marcinho era um criminoso sim, era violento. Foi responsável por muitas mortes. Mas não deixa de ser um personagem fascinante, que expressa por sua biografia um pouco da história mais necessária de ser pensada da nossa história recente.
Nesse sentido Abusado é uma leitura importante: procura mostrar o histórico e o presente complexo da questão da criminalidade dos grandes centros urbanos, especialmente do Rio. Pela sua leitura não se percebem as soluções claras, mas ao menos serve para isso: ver que nada é fácil. Que há sempre mais que duas explicações para os fenômenos atuais.
Violência
Há no nosso país uma centena de problemas centrais a serem resolvidos. Mas quem torna os assuntos prioridades ? especialmente a imprensa ? parece preocupada centralmente com a violência e o combate à criminalidade.
Não que esse não seja um dos assuntos realmente importantes em qualquer sociedade atual. Mas mesmo dentro do grande tema violência (ou segurança pública) cabem diversas variáveis que mereceriam nossa consideração. Que tipos de crimes são os mais importantes a serem combatidos? Na minha visão de mundo, os esforços centrais da civilização deveriam estar voltados a reduzir os homicídios e outros crimes contra a pessoa, a violência que mais centralmente deveria preocupar a todos aqueles que pensam na dignidade como centro de uma sociedade. Mas os esforços e preocupações dos governos e da chamada opinião pública (a tal classe mérdea) se voltam ao combate aos crimes contra o patrimônio. O novo governo do RS está numa campanha intensa para tentar diminuir os roubos de carros, com um conjunto de ações cujo resultado máximo seria erradicar os roubos de carro. Isso significa que num quadro tão complexo, as ações de um governo estão voltadas para uma pequena minoria que tem carros. É assim que um governo deve operar? Não seria mais importante pensar um programa sério para diminuir os homicídios em Alvorada, por exemplo? Ou diminuir de forma significativa os assaltos a ônibus, esses sim afetando uma parcela expressiva da população?
Mas funciona assim mesmo: quem tem patrimônio costuma ter poder econômico, logo poder de influência sobre as decisões do poder político. E a tal classe média, mesmo não mandando tanto, tem um poder de pressão muito maior que os pobres, esses que se danem.
E assim seguimos vendo apenas bravatas via imprensa como se isso fosse a solução do problema da criminalidade. Ou como se apertar ainda mais a repressão aos pobres fosse resolver o problema. Não parecem preocupados com o fato de que quanto mais uma policia mata, mais policiais morrem, também. Essa resposta é absolutamente normal. O tanto de pessoas mortas pela polícia na última semana no RS não deveriam ser comemoradas de modo algum, pois essas mortes só servirão para ?puxar? outras. Fora o fato de que numa sociedade civilizada deveríamos lamentar mortes, sempre. Me parece, ao menos...
segunda-feira, janeiro 22, 2007
Na sexta-feira completaram 25 anos da morte de Elis Regina, que talvez seja a maior cantora brasileira de todos os tempos.
Creio que a efemeride pode ter servido para que Porto Alegre comece a se reconciliar com uma de suas maiores personalidades de todos os tempos, certamente a maior cantora daqui surgida. O fato de Elis não ter trabalhado bem a sua relação com a cidade de origem me parece muito pouco para justificar que uma cidade não se orgulhe da filha que deu ao Brasil.
Como uma das maiores artistas de todos os tempos é que Elis deve ser pensada por Porto Alegre, com as devidas homenagens: um museu ou ao menos um espaço permanenente em algum dos tantos que temos. Não viria mal algum logradouro público que homenageasse Elis, quem sabe rebatizando alguma avenida que hoje homenageia algum ditador dos tantos que merecem nossa considerações. Se Porto Alegre fosse justa, daria à atual Avenida Castello Branco, a primeira via para quem chega de automóvel em Porto Alegre, o nome de Avenida Elis Regina. Me parece algo mais razoável do que homenagear um dos presidentes da ditadura militar na entrada da cidade.
O IAPI começa...
Moro no bairro onde Elis Regina cresceu. E parece que por um movimento de algumas pessoas que se criaram com ela, começa a surgir essa justiça. Na sexta-feira, uma festa mobilizou algumas centenas de pessoas para homenagear a "pimentinha" no pequeno Largo onde ela se criou e que recebeu seu nome, numa homenagem ainda muito pequena para o tamanho da cantora.
A pequena festa - que só fiquei sabendo no outro dia - pode ter sido um ponto de partida para isso que falei acima - a cidade repensar a relação com um de seus maiores mitos.
sexta-feira, janeiro 19, 2007
No final de semana assisti Volver de Almodóvar. Como é recorrente nos filmes do diretor espanhol, trata-se de um excelente filme: bem tramado, com temática instigante, quase perturbadora (trata da questão do abuso sexual intra-familiar, dentre outras coisas), com excelentes atrizes, cenários, direção de arte, etc, etc.
Como sempre, candidatíssimo a grande prêmios, dentre eles o Oscar de filme estrangeiro, talvez mais uma vez roteiro original.
terça-feira, janeiro 02, 2007
Finalmente ontem fui assistir O Ano em que meus pais saíram de férias, filme nacional dirigido por Cao Hamburguer. O filme conta a história de um menino de 12 anos que tem sua vida transformada pela necessidade dos pais fugirem da repressão. Eles o deixam no apartamento do avô, no bairro Bom Retiro, em São Paulo. Só que no mesmo dia, o avô morre e o menino acaba abrigado pela vizinhança. A partir dai, o filme se desenvolve, com a mistura entre fatos reais e a história do garoto, entre essa e histórias judaicas, elemento muito presente no filme.
Confesso que esperava mais. Achei o filme geralmente chato, mesmo que bem feitinho, bem intencionado, com bons atores. Mas não pode ser comparado, como é, ao argentino Kamchatka, que também trata da visão infantil sobre as ditaduras e a perda dos pais em razão dessas. O similar brasileiro é claramente inferior. Ainda assim, é um filme interessante,se considerarmos a média da qualidade das produções em cartaz.
domingo, dezembro 24, 2006
Eu me criei ouvindo os soberbos gremistas dizerem que tinham um título que nós, colorados, nunca teriamos. Ta aí. O deles é de questionável legitimação, o nosso não.
A vitória do Internacional não é apenas a de um clube popular, de torcida do povo, altamente representada nas vilas de Porto Alegre. É a vitória de uma tradição do futebol brasileiro, que finalmente ganha a internacionalidade que sempre esteve a merecer.
O fato de vencer o Barcelona, mais organizado e rico time do mundo, torna o título ainda mais importante e legítimo, como o fora o da Libertadores contra o grande, rico e organizado São Paulo, três vezes campeão do mundo.
Dá-lhe Inter!
Natal
Então é Natal... Não sou religioso e nem tão consumista assim. Apesar de tudo, é sempre momento de conviver com a família, pra bem e pra mal; pra pensar atitudes, rever planejamentos; sofrer; gozar.
Desejo a todos um bom natal, da forma que for possível ser feliz. E se não puder novamente pontuar, um bom ano de 2007 também.
Não tenho aproveitado os primeiros dias das férias para pôr a programação de cinema em dia, como gostaria. Consegui apenas ver O céu de Suely, do diretor Karim Ainouz, consagrado já na estréia com Madame Satã.
O Céu ... tem caracteristicas tipicas do diretor: cenários sombrios da pobreza, da prostituição, do submundo. Dessa vez, ao invés da Lapa, do Rio, mostra Iguatu, uma cidade do interior do Ceará para onde volta Hermila, com um filho, vinda do Rio. Espera por Matheus, seu marido, que nunca vem e que lá pelas tantas já nem é mais localizado.
O cenário é submundo. O universo da história é feminino. A mulher entre a pobreza, a sobrevivência de qualquer forma, as possibilidades "fáceis" como a prostituição. A idéia de sair pelo mundo, os conflitos com a família (só mulheres)...
Um bom filme sobre mulheres e sobre brasilidade.
terça-feira, dezembro 19, 2006
Segurança Pública: o novo secretário e as velhas idéias
Depois de uma procura árdua, a governadora eleita do RS, Yeda Crusius encontrou um nome para responder pela conturbada área da segurança pública: trata-se do deputado federal Ênio Bacci (PDT). Antes de chegar a esse nome, pela falta de outros, a tucana tentou ter como secretários pelo menos o também pedetista Vieira da Cunha e o pefelista Moroni Torgan, pefelista radicado há mais de vinte anos no Ceará.
As credenciais de ambos realmente eram maiores: o promotor licenciado Vieira da Cunha se notabilizou nos últimos anos como o Torquemada dos Pampas. Ganhou amplos espaços em sua fúria inquisitória de relator, em 2001, da CPI da Segurança Pública da Assembléia Legislativa, num momento em que a oposição jogou grande peso, sem muito critério, no sentido de derrotar o governo do petista Olívio Dutra, a partir das dificuldades enfrentadas na área do combate ao crime. Apesar de aparentemente ser o portador da verdade na área, faltou coragem, mais uma vez - já tinha sido convidado por Germano Rigotto, em 2003, para assumir a pasta - para colocar em prática suas tão vigorosas idéias acerca do tema. Já o pefelista Torgan foi um parlamentar atuante em CPIs que trataram de crime organizado e outras questões ligadas à violência, além de ser delegado da Polícia Federal. Esse não quis abrir mão de sua trajetória no Ceará para voltar ao seu estado natal em tarefa tão inglória. Assim, restou a Yeda aceitar a indicação do PDT de um nome de menor peso, o discreto Bacci.
Bacci é discreto em sua trajetória e desempenho eleitoral. Nunca foi um campeão de votos, sempre compondo um médio escalão do PDT estadual. Reeleito para o quarto mandato na Câmara Federal, recém na última legislatura Bacci deixou de ser um deputado do Vale do Taquari para se tornar uma figura de alguma referência, ao presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Os jornais dão conta de que vem estudando muito acerca do tema segurança, reforçando assim sua formação como advogado criminalista que, por si só, não permite imaginar sucesso na direção da mais espinhosa das áreas da gestão do Estado, na atualidade.
Mas ao lermos a entrevista de Bacci na Zero Hora de 16 de dezembro, sábado último, é possível notar que se é discreto por trajetória, o novo secretário da Segurança Pública do RS tenta se cacifar na velha forma bravateira de lidar com a criminalidade, repetindo discurso de tons parecidos com o do seu antecessor José Otávio Germano (esse do PP):
?Eu fui claro com a Governadora em alguns pontos, principalmente no fato de que bandido tem de ser tratado como bandido (...)?
Questionado sobre o que significa isso, desdobrou: ?Muitas vezes o policial se sente acuado por ter receio de cumprir a lei em função de dificuldades que enfrenta com sua chefia e muitas vezes ele se sente desmotivado para sair à rua. Queremos dar a esse policial a tranqüilidade para que aja com rigor?.
Antes disso, ainda havia falado de sua proposta de ?motivação psicológica? aos policiais, dizendo que instituirá algum tipo de promoção por ?ações de bravura? nas ações de rua de policiais, por ?combate no dia-a-dia ao crime organizado?.
A grandiloqüência repressiva do pedetista não chega a ser novidade. Quando empossado secretário da segurança, em 2003, José Otávio Germano disse que acabava ali o período da ?polícia com freio de mão puxado no combate à bandidagem?, forma como ele caracterizava a gestão de seu antecessor José Paulo Bisol. O que se viu durante sua gestão foi uma policia muito violenta no trato com os movimentos sociais (matando sindicalista por sufocamento, no episódio mais grave, em 2005), contra as sociais dos estádios de futebol (ferindo dezenas de pessoas em diversos episódios estúpidos, cujos maiores responsáveis foram os policiais militares, em ações que chocaram o Estado, antes de serem esquecidas) ou contra pequenos assaltantes, especialmente os desarmados (vivi como testemunha ocular um episódio em que a Estação Farrapos da Trensurb foi cercada por cinco viaturas e ao menos duas dezenas de brigadianos para prender um sujeito que supostamente teria tentado assaltar um ônibus da Carris: o sujeito, pobre e sem portar sequer uma faca, era chutado no chão, já algemado). Se aumentou a violência policial, não se pode, infelizmente, dizer o inverso da violência por parte da ?criminalidade?: os índices de criminalidade registrados durante o quadriênio de Rigotto e Germano não mostra evolução em relação ao período de Olivio e Bisol.
A retórica repetitiva das autoridades dessa área é copiada por Bacci. O discurso de ?tratar bandido como bandido? é de uma incapacidade teórica para propor qualquer questão que faz corar qualquer acadêmico racional. Não traz qualquer novidade: é o velho e carcomido discurso da ?lei e da ordem? que, mesmo sendo a opção dos gestores da área há décadas no Brasil, não tem servido para outra coisa que não aumentar os índices de criminalidade. A dura gestão de Geraldo Alckmin em São Paulo é de algum modo a principal responsável pelo tamanho que o PCC acabou tomando na última década, como contraveneno à violência praticada pela polícia e pelo controle carcerário naquele estado.
Mais: a idéia de ?tratar bandido como bandido?, se é vazia em conteúdo, infelizmente traduz uma prática que fica clara nas ?entrelinhas? do discurso de Bacci: as soluções passam por mais repressão, mais dureza. Na mesma entrevista, o futuro secretário termina defendendo a prisão perpétua para crimes hediondos e ?a discussão? sobre a reforma da idade penal, ao menos para os mesmos crimes. Vai na contramão da acumulação que a humanidade tem feito, ao menos desde o Iluminismo de forma mais fundamentada, no sentido de garantir à população - sem distinção entre ?cidadão de bem? e ?cidadão do mal?, como se fosse possível fazer uma distinção entre essas figuras - , direitos elementares de presunção da inocência, devido processo legal, individualização das penas, dentre outras garantias que não servem apenas, como gostam de dizer alguns energúmenos de tendência fascista, ?para defender bandido? mas exatamente para garantir a todas as pessoas, boas ou ruins, contra o arbítrio da violência estatal. Mesmo na mais evoluída das sociedades jamais conseguirá a humanidade impedir que ocorram atos de violência. Não é por isso que o Estado deva agir como bandido também, como se fosse essa a resposta possível para combater o crime.
Lamentavelmente o novo secretário de segurança pública do RS nem assumiu e já mostra a que veio: não pretende ser um gestor inovador de alternativas civilizatórias na área de combate à violência, quer ser apenas mais um xerife, um Clint Eastwood versão gaudéria.
quinta-feira, dezembro 14, 2006
O tempo que passa, os tiranos que morrem
Augusto Pinochet morreu domingo, 10 de dezembro. O ex-ditador chileno talvez seja o ícone do que há de mais nojento da segunda metade do século XX. Em 1973, se utilizou da condição de comandante do exército, nomeado pelo presidente Salvador Allende, para articular um golpe de estado que não matou apenas o presidente eleito pelo povo, mas mais de 3 mil pessoas, além de torturar outros tantos milhares.
A ditadura chilena foi não apenas fisicamente brutal. Pinochet matou a poesia. Victor Jara, cantor, foi brutalmente torturado, teve as mãos amputadas antes de ser morto, dois dias depois. Agonizou num estádio, com outros companheiros. Pablo Neruda também foi desaparecido nesse mesmo processo. Mataram os sonhos de um povo, mataram a poesia de um povo.
A ditadura chilena foi economicamente brutal. Ao terminar um regime que poderia ser rotulado como reformista radical, os militates chilenos passaram a implementar um programa ultra-liberal, de retirada do Estado da economia, servindo como esteio do chamado neoliberalismo, que anos mais tarde destruiria o Estado brasileiro, argentino, dentre outros paises latinos.
Pinochet é a cada de um tempo. Dos militares golpistas, apoiados pela CIA no golpe, pelo FMI no programa econômico. Representa exatamente o tempo em que o Estado era fundamentalmente estruturado com uma visão policial, reprimindo todo o tipo de organização política para permitir, assim, a implementação de um programa econômico concentrador de renda, privatizador, de abertura econômica extremada. Por isso Pinochet, mesmo tão carniceiro, sempre teve a benevolência do capitalismo central, sendo até idolatrado por adeptos do liberalismo econômico como sendo um homem que foi pragmático, em que todas as mortes de que é tributário são apenas um custo necessário para atingir um objetivo importante. O cinismo corre solto.
Morreu um dos últimos ditadores. O último milico brasileiro que foi presidente morreu há alguns anos esquecido, o gen. Figueiredo. Uma figura, antes de mais nada, patética. O milico que disse que preferia o cheiro de seus cavalos ao cheiro do povo. O Brasil parece ter de algum modo saído de sua ditadura de forma mais suave. O povo chileno ainda vive profundamente dividido acerca da figura do seu ditador recém cremado. Multidões se enfrentam nas praças em nome dessa disputa: foi ele um tirano ou foi ele um homem correto? Nossa pacificação, no entanto, é um pouco falsa, como toda a nossa cordialidade. Todos os dias se pode ouvir gente ignorante ou mal-intencionada a defender ?a volta dos militares? como uma volta a tempos dourados. Como se fosse razoável viver num regime que mata de forma organizada. Como se a nossa corrupção e impunidade não tivesse prosperado de forma excelente no regime militar, sem o freio positivo que a liberdade de denúncia permite. Hoje há corrupção como havia ontem. Mas hoje aparece. A Polícia Federal hoje funciona inclusive para combater a corrupção, enquanto antes havia apenas como polícia política. Grande parte da falta de participação do povo, essa submissão à política, é herança maldita de tantas décadas de repressão. Uma geração como a minha, que não viveu o drama da tortura, de ter amigos desaparecidos, começa a falar bobagem e achar que ?ditadura não é tão ruim assim?, que ?direitos humanos é coisa pra defender bandido?.
Talvez falte, portanto, para o Brasil, tratar também de suas feridas, assim, em praça pública, como fazem os chilenos.
terça-feira, novembro 21, 2006
Anorexia e obesidade podem ter a mesma origem?
Há algum tempo, com as transformações de alguns posicionamentos meus, evito apenas repetir chavões. Mas como continuo marxista, não posso deixar de olhar as coisas sob um olhar tal. E identificar complexidades onde parece que não há ou onde há mas elas estão escondidas.
Assim, vi alguém comentar a respeito das duas mortes de meninas-lindas-e-magras-que-queriam-fazer-sucesso-sendo-sempre-mais-magras que haviam dois fenômenos completamente diversos na juventude que mereciam igual atenção: a anorexia/bulimia e a obesidade, que talvez não estivessem tão distantes. E é real, hein!
Por que?
Ora, por causa do "tal do capitalismo".
Sim, por isso que eu fiz aquela introdução. Sempre que se joga a responsabilidade dos fenômenos pro capitalismo, parece papo de trosko chato, mas não... isso é marxismo, fazer o que...
Vivemos em uma sociedade movida pelo dinheiro, certo? E uma sociedade que valoriza muito o consumo, certo? E que valoriza MUITO o corpo, a forma física, a beleza-padrão. Através do corpo e da beleza se pode chegar ao dinheiro. De algum modo através do dinheiro se pode chegar à forma física e à beleza, porque não... Boas roupas, tratamentos, cabeleireiro bom, academia, tudo isso ajuda. Assim, somos instigados permanentemente a essa loucura de ter grana pra ser belo, ser belo pra ter grana. Ter grana pra comer gente, comer gente pra ter grana. Um vai-e-volta louco, em torno disso.
Por isso que centenas ou milhares de meninas - mais as meninas, parece - NÃO COMEM no mundo de hoje: para serem "belas", para serem desejadas por todos. E por isso que meninas e meninos vivem horas por dias em academias, desde novinhos: para terem um corpo sarado, para serem tesudos. Para muitos vezes ficarem completamente sem graças, de tão inchados que ficam. Por isso muitos tomam remédios para emagrecer ou para inchar músculos. Uma tristeza. O mundo não fica mais bonito e fica muito mais sem-graça em razão desse comportamento. Contribui imensamente para as gerações atuais serem burras e paranóicas em busca apenas da beleza e do corpo, como se isso resolvesse tudo.
É isso que há anos mata, mas agora parece já criar um choque. São muitas histórias que começam a aparecer de meninas que não conseguem ingerir um alimento sem vomitar, tudo em nome de serem supostamente belas. E quem disse que só é bela quem tem 40 kg?
E nesse sentido, a obesidade não deixa de ser outro lado da mesma moeda: a pressão por consumir as coisas da moda faz uma outra parcela da juventude em todo o mundo comer merda disfarçada de hamburguer, até explodir. Nos EUA, há um recorde de obesidade mórbida. Pessoas que comem por pressão, por tensão, por vários motivos, tudo por força do "sistema", que as força a comportamentos compulsivos, seja de comer, seja de malhar, seja de vomitar para não engordar.
Que mundo triste esse. Pobre de nós, que somos jovens!
Sim, eu tenho 28. Sou jovem... mesmo que o mesmo sistema de valores diga que não...
Uma volta...
Lamento não estar escrevendo por aqui. Mas a falta de tempo e energia anda grande: época de provas, desmotivação por diversas fontes, etc... Mas lamento mesmo! Pretendo retomar ou nesse ou em outro formato...
terça-feira, novembro 07, 2006
Os exageros de quem decide a pauta
Nossa imprensa e o debate político são geralmente distorcidos em razão de quem "pauta a pauta" são uma pequenina minoria da população, o que se costuma chamar de "formadores de opinião". Grosso modo, as preocupações mais centrais da imprensa passam por assuntos que interessam exclusivamente à classe média: o medo da violência, o preço alto da gasolina, para ficar em alguns exemplos. O jornalista Paulo Santana, um dos mais lidos e ouvidos pelos gaúchos, é um pouco assim. Ao menos cinco colunas por mês dele são dedicadas a tratar do preço da gasolina. Ora bolas, combinem aqui, é um assunto que interessa a 10% da população, diretamente. Claro que o preço dos combustíveis tem efeito cascata em cargas, preço de produtos, preço da passagem, tudo isso. Mas distorções no preço do combustível na bomba do posto é um assunto que, por mais importante seja, interessa a quem tem carro. Minoria, portanto. Os engarrafamentos e falta de vias mais largas são um problema de quem tem carro, também. Mas são tratados como problema universal. Já os velhos amontoados nos coletivos lotados não tem tratamento nunca, de ninguém na "grande imprensa" ou o foco de uma expressiva parte dos mandatários do país.
Na semana passada, mais uma dessas pautas "esquentadas" pela minoria: o caos dos aeroportos. Óbvio que deve ser profundamente desagradável a uma pessoa ter que passar pelos sofrimentos que passaram aqueles que tiveram que viajar na semana passada e muitas vezes viraram a noite esperando pra ter o vôo cancelado. Evidente que isso tem efeito cascata no transporte de cargas, no desenvolvimento do país, no turismo, no caralho-a-quatro. Mas é um assunto para ter tanta manchete de jornal, capa, cinco, seis páginas por dia durante uma semana?
Mais: o ex-senador Paulo Brossard, um porta-voz do que há de mais reacionário no RS, chegou ao desplante ontem de comparar o colapso do transporte aéreo com o quase-apagão do sistema elétrico que vivemos há cinco anos, como se o primeiro fosse um problema verdadeiro e mais grave. Ora bolas, Dr Brossard! Menos... O Sr deve ter gerador na sua fazenda, por isso fala uma merda dessas!
Outra ida à Feira
Domingo fui novamente à Feira do Livro. Dessa vez para a sessão de autógrafos do Charles Kiefer, que não só é um dos escritores que leio desde pequeno, como se tornou uma figura muito querida pra mim, depois de ter feito um ano e meio de sua Oficina Literária. Kiefer que mudou de editora e está tendo boa parte de sua obra relançada, agora, em caprichadas produções da Record. Merecido.
Eu comprei e levei o autógrafo de Logo tu repousarás também, um livro inédito de contos lançado esse ano. Mais um livro pra pilha das férias.
terça-feira, outubro 31, 2006
O paraíso do leitor
Iniciou na sexta-feira passada, plena véspera eleitoral, a 52ª Feira do Livro de Porto Alegre. Esta Feira se caracteriza tanto pela já antiga tradição, que se espalhou em "Feiras do Livro" em todo o interior do Estado como por sua característica diferenciada de ser uma feira de livros que ocorre "a céu aberto", na praça mais central da cidade, a Da Alfândega, em meio ao povo, não num pavilhão isolado longe do centro, cobrando ingressos caros. Não, a Feira do Livro de Porto Alegre ocorre em meio à circulação do povo todo que trabalha no centro, dos mendigos, michês e prostitutas que de algum modo seguem por ali mesmo nessa época. E isso é positivo, independente do que pensa o "cidadão de bem", sempre vigilante, sempre querendo se isolar em seus eventos na sede da Fiergs.
Sábado estive na 52ª Feira do Livro. Havia uma sessão de autógrafos do João Gilberto Noll, que está lançando seu novo livro, de contos, chamado Máquina de Ser. Antes disso, houve uma conversa de Noll com cerca de umas vinte pessoas, eu entre elas, em que ele falou de sua obra, suas influências, inspirações, perturbações, tudo o que o move à escrita. Excelente conversa. Coisas que só uma Feira do Livro para permitir, só uma cidade diversa e intensa como Porto Alegre para, tão pequena, oferecer tantas oportunidades.
quinta-feira, outubro 19, 2006
O episódio do sequestro do embaixador estadunidense Charles Ulbrick e a sua troca por um grupo de 15 prisioneiros políticos que a ditadura militar foi obrigada a libertar com vida em solo mexicano foi um dos lances mais espetaculares do cinzento período do regime opressivo brasileiro.
O jornalista Flávio Tavares - hoje colaborador de Zero Hora - foi um dos libertados nesse episódio. Junto com ele estavam, entre outros o polêmico "comandante" Zé Dirceu, o ex-deputado Wladimir Palmeira, dentre outros.
Centrado nesse episódio, mas narrando as demais experiências vividas durante o período da ditadura, Tavares nos oferece uma leitura fortíssima, pra bem e pra mal. De texto magistralmente escrito, com frases que merecem destaque pela beleza, em diversos momentos do texto, como a boa literatura manda fazer, ao mesmo tempo nos sentimos violentados ao viver a violência que o autor sofreu nos porões do regime ditatorial brasileiro ou, depois, sequestrado pelos paramilitares uruguaios.
Esse Memórias do Esquecimento é certamente um dos melhores livros escritos sobre o período, dentre a farta literatura disponivel.
Uma coisa "Pinochet"
Pela primeira vez desde que publicou "Introdução à crítica do Direito do Trabalho, em 1978, ano em que nasci, Tarso Genro voltou a falar algo correto: a frase de ontem de Alckmin mostrou o lado Pinochet do candidato do PSDB, uma coisa meio Pinochet com Opus Dei.
[Óooobvio que usei uma figura de linguagem. Não concordo com quase nada do que Tarso Genro diz ou fala, mas ele é um sujeito brilhante, sem dúvida. Faço essa nota porque tenho sido mal interpretado em TUDO o que escrevo, sempre há alguém que não entende. Vou começar a explicar piadas, a partir de agora.]
Alckmin disse ontem que se Lula for reeleito, seu segundo mandato terminará antes de começar. Tal declaração vem no sentido do clima de terror que a oposição resolveu estabelecer a partir dessa semana para a reta final. Depois da ida ao segundo turno - que foi uma vitória política brutal de Alckmin, mais que do PSDB, até -, chegou a parecer que a vitória de Lula estava ameaçada. Mas quando se pára para ouvir um candidato, muitas vezes seu pretenso-eleitor acaba mudando de opinião, voltando atrás. Além disso, com a exposição de mídia que um candidato tem, ele fica visado pelos adversários e seus pontos vulneráveis geralmente aparecem. No caso do Picolé de Chuchu, é o caso: a visibilidade da ida para o 2° turno faz com que ele agora perca muitos votos de gente que nele votou para evitar a vitória de Lula em primeira instância e que agora acabará votando na reeleição para evitar o mal maior, que seria a vitória dos tucanos.
O PSDB, junto com o PFL, representam no atual cenário nacional uma coisa tipo assim Partido Republicano dos EUA: são conservadores na moral, elitistas na prática cotidiana e liberais na economia. Redução de impostos para as classes altas, recrudescimento do Estado policial, com suspensão de direitos individuais e, especialmente com Alckmin, ligado ao setor mais duro do catolicismo, um endurecimento das relações Estado-religião. Bush, nos EUA, só repassa dinheiro público para escolas e programas de saúde que trabalhem a abstinência sexual. O que significa não distribuir camisinha, por exemplo. Alckmin, que pelo jeito não trepa, poderia fazer algo similar, não duvido nada.
Na área penal, controle da criminalidade, Alckmin é claro ao dizer que devem ser suspensas garantias constitucionais em nome do combate ao crime. Ele acha que o judiciário e os advogados "atrapalham" ao intervir em todas as etapas da repressão penal. Imaginem onde vamos parar assim, meus caros...
O lado Pinochet
Mas voltando ao tema do post: a idéia da oposição de direita na última semana foi retomar uma linha de que se Lula for reeleito, deve se buscar sua deposição pela lei ou mesmo fora dela. Golpismo puro.
Em razão dos escândalos diversos, crimes os mais diversos, inclusive eleitorais, Lula de fato pode ter de responder. Mas uma visão fria da lei penal ou eleitoral dificilmente conseguiria incriminar Lula, dado que não existe, no Direito Penal em especial, a chamada responsabilidade objetiva: alguém só é punido por crime que diretamente contribuiu para a execução ou elaboração. Para isso são necessárias provas claras, não suposições, como as que envolvem Lula. Todos nós supomos que ele saberia do que a direção do seu partido fazia. Mas dai a provar, objetivamente, são "outros 500". Logo, friamente analisando, Lula escaparia de qualquer julgamento sério, jurídico que fosse feito, já no primeiro despacho de um ministro relator do caso, no Supremo. Não apenas porque ele nomeou a maioria do Supremo, mas porque o bom direito assim o exige.
Mesmo assim, a oposição de direita trabalha nessa linha, especialmente disseminando o terror: "se vocês elegerem o Lula, vamos caçar ele, de qualquer maneira". O mega-humorista Olavo de Carvalho chegou a escrever esses tempos que não entendia porque a direita se restringia ao "combate eleitoral" a Lula, que devia partir para "outros meios". Talvez estejam levando o OdeC a sério, o que seria um grave erro.
Assim, ao não admitir a reeleição de Lula, anunciando que intentará formas outras para impedir que Lula assuma, Alckmin de algum modo faz lembrar Lacerda, a respeito de JK, quando este se lançou candidato: "Juscelino não deve ser candidato; em sendo, não deve ser eleito; em sendo eleito, não deve ser empossado; em sendo empossado, não deve completar o mandato".
Infelizmente, nosso país ainda carece de lideranças sérias. Infelizmente aí incluo o próprio Lula, em quem já votei outras tantas vezes. Aí incluo a minha opção nesse primeiro turno. Enfim, poucos, raros são os que escapam da lógica de que fazer política e lidar com o povo exige fanfarronice, bravata e mentiras. Ainda assim, quero dizer que sou otimista...
terça-feira, outubro 17, 2006
Crise do blog
Sim, eu deletei um post anterior chamado "Notas eleitorais - I", porque lá eu tecia opiniões que podem ser mal interpretadas, como já o foi um texto que escrevi e fiz circular. Sempre achei ruim as pessoas não saberem diferenciar opinião de conteúdo de questiúnculas pessoais. E sempre detestei a opção mais fácil pela patrulha do que pelo debate. Por essas coisas que a esquerda não melhora a vida...
Cada vez mais, se eu for me pautar por esses desagrados, vou escrever menos. É mais fácil mesmo você ficar na teoria, virar um acadêmico. Podem haver vaidades e intrigas na academia, mas ao menos elas não estão cercadas de discursos fantasiosos sobre outros valores, sonhos e revoluções.
Tou de saco cheio. Mesmo!
segunda-feira, outubro 09, 2006
E ontem fui ao cinema novamente. Dessa vez para ver O Maior Amor do Mundo, do Cacá Diegues.
Diegues tem feito o tipo de cinema bem produzido, voltado ao grande público, com elenco global, ritmo global, tudo global, de tal forma que é produzido pela Globo Filmes.
No elenco desse filme, José Wilker encabeça, tendo Isabel Fillards, Débora Evelyn, Marco Ricca e Sérgio Britto, dentre outros.
O filme não é tão bom quanto os comentários geralmente positivos da crítica têm feito crer. É um filme bem produzido, com bom elenco, cenários, direção, etc. Mas tem um roteiro confuso, que embaralha muitas situações distintas, fazendo do filme uma verdadeira salada de frutas. Além disso, cria contrastes que o tornam muito irreal. A ida do personagem central pra Baixada Fluminense o faz encontrar suburbanos estereotipados demais, situações de videoclipe, uma coisa "Cidade de Deus exagerada". Assim, o filme tenta ser bem intencionado, mas acaba resvalando pro clichê, como toda boa novela da Globo.
Assim, O Maior Amor do Mundo apanha de longe na capacidade de explorar o tema "morte iminente" que O Tempo Que Resta (abaixo comentado, recém visto) também explora, com muito maior consciência, até porque o personagem do outro filme, por mais que entre em parafuso, parece ter um foco para "resolver" sua situação. Considerando-se o desafio do tema a enfrentar, parece que o filme brasileiro é muito mais pretensioso, quer ser um "grande filme", sem consegui-lo. O filme francês citado consegue, sem tanta audácia, enfrentar o enredo com muito maior tranquilidade e qualidade.
E olha que eu, pra dar pau em filme brasileiro, reluto. Mas O Maior Amor... tem ares de grande filme mas não consegue ir muito além dum "caso especial" que poderia passar numa terça-feira qualquer, depois do Casseta & Planeta.
Dália Negra nos dá vários motivos para ser visto.
Brian de Palma incursionando pelo gênero noir. Os protagonistas Scarlett Johansson e Josh Hartnett são, a meu ver, os dois atores mais tesudos do cinema atual, não necessariamente nessa ordem. Além de bons atores, mesmo. Hilary Swank sempre torna um filme interessante. Além desses motivos, trata-se da adaptação de um clássico de James Ellroy, constituindo-se num filme bastante aguardado.
Mas o que se pode ver com o desenrolar da película é que as motivaçõs mais fútil-sexuais até serão bem preenchidas. Josh, Scarlett e Hilary aparecerão de forma privilegiada ao longo do filme, deixando qualquer espectador viajando na maionese. Mas o filme, no que deveria ser central, é confuso, exagerado, cansativo, desgastante. Não a ponto de irritar, ser ruim. Mas não passa do médio, nada que mereça comparação com os grandes clássicos do gênero noir. Pode-se dizer apenas que, diante de uma temporada ruim, é um dos filmes que "dá pra assistir".
sexta-feira, outubro 06, 2006
Assim que recebi, início da semana, sabendo que nesse mês vou ter mais "margem de manobra" com meu dinheiro, resolvi comprar o CD Segundo, da Maria Rita, que foi lançado no ano passado mas ainda não conseguira comprar e nem ouvir inteiro. Dei a sorte de entrar nas Lojas Americanas e pegar ainda em promoção: R$ 14,90, com o DVD de bastidores junto.
Maria Rita é du caralho! Dizer mais exigiria tempo e obviedades. Ela tá excelente, mais uma vez.
Notas eleitorais - II
Desde o ano passado, quando começou a se falar em sua candidatura, eu disse para todo mundo com quem falava sobre que Yeda Crusius (PSDB) seria a eleita para o Governo do RS. Pelo menos desde março venho dizendo aos meus amigos petistas que a campanha de Olívio devia cuidar da Yeda, ao invés de ficar apenas no trabalho implacável - e justo - de desconstituição do frágil governo de Germano Rigotto (PMDB). Claro que antes mesmo de ter pesquisas, depois de ter pesquisas, sempre fui tirado para louco. "Não! A eleição vai ser disputa entre Rigotto e Olívio", me diziam, só faltando passar a mão na cabeça. Devo admitir, no entanto, que durante o mês de setembro tinha passado a não acreditar mais na minha "profecia" já que a campanha de Yeda, depois de um crescimento razoável, sofreu uma brutal crise, em que o marqueteiro Chico Santa Rita chegou a dar entrevistas nos jornais recomendando que não votassem nela, porque quem não cumpria a palavra não merecia ser eleita. Pois Yeda passou e em primeiro lugar! Olívio e Rigotto disputaram voto a voto e, por menos de vinte mil votos, o candidato do PT superou o governador atual do PMDB. Surpresa total, menos pra mim!
Yeda representa setores que tem representatividade na sociedade gaúcha. De certo modo, as mesmas forças que estavam no comando do Estado durante o governo de Antônio Britto (95-98), o mais impiedoso dos governantes que o RS teve desde a abertura política na década de 80. Britto vendeu estatais, sua polícia sentou o cacete nos movimentos populares, foi um exemplo de como as elites econômicas pensam o Estado.
Com a derrota de Britto para Olívio em 98, esses setores pararam pra pensar em como retomar o poder. E passaram por um processo de reformulação de sua tática que os levou a criar dezenas de ONGs e movimentos sociais para dialogar com a classe média do Estado, setor onde o PT havia construido muito da sua força. A idéia era retornar ao Governo com Britto, em 2002. No entanto, com a rejeição a Britto maior que o antipetismo, esses setores foram obrigados a se refugiar na candidatura insossa de Rigotto, que acabou ganhando do PT, num fenômeno eleitoral impressionante. Dos 3% no início da campanha, Rigotto terminou o 1º turno com 45%.
Esses setores se abrigaram na vitória do PMDB, mas não governaram. Aliás, ninguém governou... E agora, com a crise do PMDB e com a rejeição ao PT (tanto pela polarização antiga no Estado quanto pelo acrescimo dos desgastes nacionais), a candidatura de Yeda foi ocupando um espaço aberto ("não existe vácuo na política", me ensinaram certa vez) e se credencia para vencer. Com ela, estarão governando o PSDB, o PFL, os grandes empresários, os grandes industriais, os ruralistas e tudo de ruim que possa haver no Estado.
Sim, Yeda é uma novidade vencida, de tão antiga. Votar nela é referendar a volta das barbaridades de Britto e os seus.
terça-feira, setembro 26, 2006
Publicação
Há duas semanas havia terminado um texto a respeito da proposta do Presidente Lula de realização de uma "constituinte parcial" para fazer a chamada "reforma política". Mesmo não sendo um especialista em textos mais academicos, sempre tendo escrito coisas mais voltadas a outros tipos de linguagem, ficou bem razoável. Hoje tive a felicidade de receber retorno do site Jus Navigandi, que incluiu meu texto na sua nova edição. Para maior orgulho do dono desse blog, a edição é encabeçada por Luiz Guilherme Marinoni, um dos juristas mais importantes da atualidade e, particularmente, uma das referências desse que vos escrever.
Serve de motivação pra produzir outros e outros...
Quem se interessar em conhecer o texto, aí vai o endereço do artigo:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8974
segunda-feira, setembro 25, 2006
No sábado fui ver O tempo que resta, filme francês dirigido por François Ozon.
O argumento não é nada original: homem descobre cancer no generalizado e, em razão disso, terá uns tres meses de vida. a partir dai, surgem os desafios de como encarar essa situação. Primeiro que Romain resolve evitar o sofrimento da quimioterapia. Depois, ele vai tratando com uma sinceridade absoluta suas relações e, de certo modo, vai removendo de perto todas as pessoas, numa triste constatação da solidão que vive. Desde uma relação franca mas conturbada com os pais e irmã até uma relação que ele constata não acrescentar muito com o namorado, o jovem bonito mas vazio que mora com ele.
Apesar de evidentemente triste, o filme tem toques de beleza impressionante. É um drama, faz pensar, é impactante, mexe com qualquer pessoa sensível. Mas foge ao melodrama. E mesmo fazendo pensar, como todo filme europeu que se preze, ele em nenhum momento cai na tentação de ser um tratado ou ensaio: ele deixa ao espectador entender e buscar as reflexões que o filme permite. Logo, é um filme francês sem carregar nos diálogos e discursos, erro que muitas vezes o cinema desse país tende a cair.
É um dos bosn filmes em cartaz, na atualidade.
terça-feira, setembro 19, 2006
Alimento aos céticos...
Há muitos assuntos para falar. Mas como ando dando pouca atenção a esse blog - na verdade penso em fazer outro, por cansaço desse espaço em que não se comenta, não se frequenta, nada disso... - eu acabo passando, sem comentar nada. Também porque minhas opiniões céticas desagradariam aos poucos que o lêem. Como, aliás, desagradam aos meus interlocutores - geralmente meus melhores amigos e geralmente petistas, como eu fui até bem pouco -, por serem um tanto quanto pessimistas em relação ao presente e futuro da nossa política.
O episódio ocorrido no final de semana, sobre o chamado "Dossiê Cuiabá" só vem para demonstrar de forma ainda mais clara o que tem sido a nossa política, através dos dois principais grupos que disputam os postos de poder, o PT e o PSDB.
Um grupo de pessoas - um, inclusive, assessor especial da Presidência - providenciavam dinheiro no sentido de pagar à família Vedoin pela divulgação de um dossiê com elementos que envolveriam o ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB, durante os dois governos de Fernando Henrique), que é favorito para vencer as eleições ao governo de SP, com a máfia das ambulâncias (ou máfia das sanguessugas).
Serra foi ministro da Saúde durante 6 anos. A possibilidade de que tenha envolvimento com os esquemas de fraudes nas compras de ambulâncias é grande. Se tal fato for verdadeiro, tomara que apareça e logo, de forma que o povo de São Paulo possa tomar conhecimento de quem está querendo eleger governador, se é que já não o conhece.
Por outro lado, é mais um episódio em que pessoas ligadas à direçãodo PT são flagradas movimentando dinheiro, girando grana com gente pouco séria (como, no caso, os Vedoin Sanguessugas) e operando negócios pouco "republicanos", pra dizer o mínimo. Assim, às vésperas de uma eleição geral, a política brasileira segue cheirando mal. Os dois grupos com viabilidade eleitoral, através das candidaturas de Lula e RefriGeraldo estão profundamente envolvidos em um episódio que é apenas mais um num grande escândalo de corrupção e fraudes na área da saúde, com dezenas de envolvidos em vários poderes, governos e partidos. O que pensar de tudo? Como dialogar com as pessoas e dizer que elas estão erradas quando dizem que "é tudo igual"?
Eu sempre acreditei na política como a forma de mudar o país e mesmo o mundo. Mas... hoje estou cético. As alternativas aos dois grupos citados são frágeis, seja em força social efetiva, seja em conteúdo. Eu votarei em Heloísa, mas confesso estar "de saco cheio" de suas frases feitas.
Há que ter consciência pra acreditar em algo. Ou será que tendo consciência, daí mesmo é que caimos num ceticiscmo quase cínico?
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